Ao pastor, com carinho

 

Então cheguei lá, naquela templo, cujo piso era de chão batido, os assentos eram velhas cadeiras escolares, e o teto era o céu estrelado – certamente não há, no Mundo, pinturas e vitrais que superem aquele ambiente. Meu “início” de caminhada cristã deu-se ali, na igreja do Tabuleiro; um bairro afastado, desassistido e repleto de histórias de violência. O pastor, um baixinho barrigudo, com um bigode marcante, e voz desafinada, em cujo o currículo ele gostava de frisar a experiência de ter sido pastor de ovelhas de verdade.

O coração não queria outra coisa: meu primeiro amor ali foi regado de histórias edificantes, de libertação e de cura, em diversas formas, algumas das quais quero compartilhar com você que está lendo.

Nesta igreja, todo o sábado a noite, tem reunião de oração as quais eu, após um tempo de recém convertido, resolvi frequentar.

Estas reuniões eram realizadas ao fundo do templo, numa casinha simples que depois deu lugar a mais espaço para as cadeiras e a um mezanino. Lá, dava para sentir o calor humano, a proximidade com os irmãos. Risos eram comuns, principalmente quando algum irmão mais preguiçoso, ou cansado, pegava no sono.

Estando todos reunidos, o pastor, com sua voz desafinada, iniciava um cântico acompanhado pelos demais irmãos. Um louvor que marcou, em mim, todas as reuniões e orações em grupo ou sozinho. “Senhor formoso és” virou um hino de oração para mim, um hino que depois esqueci.

Com o tempo, comecei a sair com os irmãos para apregoar o evangelho nas localidades. Lembro-me nitidamente de como me sentia um desbravador, um herói que acompanhava outros sentado ao fundo de uma picape cortando a escuridão no meio do nada.

Aos poucos, eu e o pastor tornamo-nos mais próximos, confissões foram feitas sobre diversos assuntos e ele, sabiamente me ajudou a desmistificar o super homem que nele via, contando algumas de suas dificuldades na jornada cristã. Mesmo hoje, aprendo com as conversas que tivemos, ou seja: a persisti na fé; a ter mais compaixão, empatia e, com isso, a ter tolerância pelas dificuldades dos outros.

Mas, com certeza, dentre os momento que a igreja do tabuleiro me proporcionaram, está a lembrança de uma conversa à sombra do juazeiro (acho que era esta a árvore) que nascera no leito de um riacho seco onde, após um almoço gostoso, descansávamos eu, o pastor, e mais uns cinco ou seis irmãos, enquanto aguardávamos o fim da tarde para o início de mais um culto. Ele, sentado na rede, com a Bíblia aberta, conversava conosco, que estávamos distribuídos em troncos ou sobre os seixos no chão: “fico imaginando Jesus, sentado conversando com os seus discípulos, todos no chão, assim como nós estamos agora. Como será que eles se sentiam? Será se era mais ou menos como nós aqui, a sombra do juazeiro? …”

Depois ele nos apresentou alguns textos e, como todos já estávamos desejando, oramos.

Foi tão bom estar ali, fraternalmente, sem preconceitos nem discussões teológicas, sendo apenas irmãos, sendo amigos que compartilhavam a fé e reconheciam o Espírito Santo um no outro.

Há alguns dias venho pensando na Igreja do Tabuleiro, tentando sem sucesso, lembrar do hino que cantávamos antes de orar. Nada da letra, da melodia, sequer o ritmo. Até que ontem, reunido com outros irmãos e, apesar de não estarmos sob a sombra do juazeiro, o hino foi cantado. Nossa, que alegria relembrar, era o que eu estava precisando! Senti novamente o “meu primeiro amor”.

Hoje cedo, dia 24 de março de 2018, encontrei a cifra e tentei tocá-la em meu violão. Quem me conhece sabe que não sei tocar violão e, entre um erro e outro, uma tentativa e uma parada, descobri que o pastor havia falecido a quatro dias.

Josivaldo Soares, o pastor de ovelhas e de homens, a quem dedico esta singela homenagem, sofrera um infarto fulminante e descansou. Certamente, tento ele combatido o bom combate e, terminada a sua carreira, guardado a fé, aguarda agora a oportunidade de, após a ressurreição dos mortos, ver a face do Bom Pastor a quem serviu com tanta dedicação: o nosso Senhor Jesus Cristo.

Que Deus console Mazé, seu filhos e seus irmãos, e que fortaleça aos obreiros para continuarem o trabalho e honrando o seu legado!

Ao pastor, com carinho.





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